Mini-tratado de Podolatria

Sedução, fantasia, podolatria
Nem só de pão, teto, pano, coito e bula vive o homem, mas também de circo, poesia, palhaço, loucura e muito erotismo: de um lado o reclame, do outro a novela; de um lado a marca institucional, do outro aquela promoção sensacional; os sete ‘pecados’ de um são os sete trilhões do outro. Mas, não vamos falar de Marx, de Lord nem de Ford… – Que tal Freud?…
“O pé é uma arma feminina pouco difundida, mas muito cultuada”, afirma Juliana Monteiro. Em revistas impressas e eletrônicas, muito se fala sobre fantasias, fetiches e parafilias. [Determinados temas são incomuns nesses periódicos, destacando-se mais na literatura erótica, ultra-romântica, naturalista e surrealista: incesto, sadismo (do francês marquês de Sade), masoquismo (do austríaco Sacher-Masoch), restifismo (do francês Restif de la Bretonne)]. Entretanto, falar sobre a eroticidade dos pés é coisa rara tanto na mídia de massa quanto na mídia culta, principalmente no Brasil onde o preconceito e a ignorância encontram abrigo. Além destes, há outros motivos que fazem com que o tema ainda seja uma raridade. Primeiro, porque é sempre melhor praticar do que teorizar. Segundo, porque quando se divulga o ‘segredo dos pés’ vulgariza-se o que até então era sagrado, deixando portanto de ser uma prática de sedução apreciada pela elite erótica.
Pouco se fala sobre a podolatria, embora seja considerada o fetiche dos fetiches, embora muitos sonhem com essa prática e embora ela venha ganhando adeptos e conquistando seu espaço não só como forma altamente estimulante mas também altamente segura. Antigamente, o sexo livre era impune; hoje, com a peste negra da Aids, vem-se procurando novas maneiras de realizar inúmeras fantasias. Isso causa diversos fenômenos sociais. O que antes era considerado ‘perversão’, hoje, graças a essa busca pelo não-perigoso, é considerado ‘alternativa criativa’, que desperta desejos adormecidos pela sociedade desde a infância. A podolatria, como fator de uma sexualidade holística, torna-se uma alternativa natural e segura para todos – heterossexuais ou não. Outra vantagem dessa prática é que não existe nenhum tabu ou censura que obrigue a cobrir os pés. Eles estão sempre disponíveis para um toque, um carinho, sem ser esse ato considerado escandaloso ou imoral. Num jantar temperado de romantismo, o homem pode tocar os pés de sua companheira, causar-lhe excitação, sem que isso seja julgado.

Parafilia
Entende-se por ‘parafilia sexual’ qualquer tipo de adoração diferente do natural ou do convencional. Entende-se por natural todo pensamento, sentimento e comportamento que garantam a reprodução da espécie. Entende-se por convencional, todo pensamento, sentimento ou comportamento divulgado ou estabelecido pelos sistemas de comunicação de massa, ou seja, rádio, jornal, revista, TV – mídias às quais a classe baixa e média têm acesso. Em suma, poderíamos afirmar que o natural está para o instinto e à sobrevivência assim como o convencional está para a ideologia e à estatística.
Para estabelecer-se uma parafilia, está implícito o reconhecimento daquilo que é convencional ou natural para, em seguida, detectar-se o que estaria ‘ao lado’ desse natural ou convencional. Reconhece o sexo natural como sendo heterossexual, coital e com finalidade procriativa. Em algumas culturas, como a nossa, reconhece-se o sexo convencional como sendo prazeroso e pelo menos momentaneamente monogâmico. Veja-se que os termos atrelados às condições sexuais supracitadas são ‘natural’ e ‘convencional’, evitando-se o termo ‘normal’, devido ao fato de o vulgo confundir (erroneamente) o ‘não-normal’ com o ‘patológico’.
Certamente a anormalidade [Ver também: ‘normose’] é um conceito perigoso; suscita a impressão de que existe uma norma sempiterna. Constata-se, porém, que a ‘anormalidade’ de uma época tornou-se norma na seguinte, e deixou-se, portanto, assimilar. “Uma pessoa pode ser considerada divergente apenas porque sua conduta difere de uma norma socialmente aceita, mas também porque difere de um ideal moralmente aceito. Assim, embora um casamento feliz seja provavelmente exceção e não regra, a pessoa solteira ou infeliz no casamento é muitas vezes considerada anormal e socialmente divergente. Há tempos atrás, quando a masturbação era indiscutivelmente tão frequente quanto hoje, os psiquiatras consideravam essa prática como um sintoma e causa de insanidade”, exemplifica Thomas Szasz em ‘A Fabricação da Loucura’.  ‘Anormal’ não é um juízo de valor e não significa ‘degenerado’.
Cientificamente, não se poderia classificar o não-convencional como doentio. Socialmente, podemos até dizer que determinado rapaz seja anormal por ter engravidado mais de cinco mulheres ao mesmo tempo.
Porém, cientificamente ele será sempre um rapaz sadio, uma vez que está cumprindo com seus desígnios existenciais – isso sem contar que o número de mulheres no planeta é maior do que o número de varões. A ciência social poderia até classificar tal rapaz como amoral ou anormal, por se marginalizar aos preceitos e costumes do seu povo monogâmico, porém jamais o poderia classificar como patológico.
As parafilias são classificadas em: (absolutamente) patológicas (contra a natura) e (relativamente) não-patológicas (contra determinada cultura). Para a ciência, serão patológicas parafilias como o Celibatarismo, o Bestialismo, a Pedofilia (quase sempre relacionada à neoterofilia e à partenofilia). E não-patológicas parafilias como: • o Bissexualismo; • a Escopofilia ou Estefilia: adoração visual estética, que pode ser ativa (mixoscopia, conhecida pelo nome ‘voyeurismo’) ou passiva (exibicionismo do próprio corpo ou do corpo de outrem). O voyeurismo é o tipo mais comum de parafilia. Aqueles que passam horas diante da televisão podem até não ser voyeuristas sexuais, mas são voyeuristas. Aquela sua vizinha fofoqueira é uma voyeurista. Aquelas pessoas feito urubus em volta de um acidente é mais um exemplo da expressão voyeurista. • a Algolagnia: ativa (sadismo) ou passiva (masoquismo); • a Neoterofilia: atração por pessoas mais jovens, como colegiais, os atletas; • a Gerontofilia: atração por pessoas mais velhas, como professores, políticos; • a Partenofilia: atração por virgens, como as freiras, monjas; • a Topomania: atração por lugares ou circunstâncias exóticas, como aviões, aeromoças, academias, casas noturnas; • a Misofilia: atração ‘natural’ por sujeira; • a Autofilia: narcisismo, onanismo (masturbação) etc; • a Idolatria ou Fetichismo: adoração a um objeto, ou parte/aspecto de determinada coisa, pessoa, mineral, vegetal, animal ou espiritual.
Na verdade, as não-patológicas são relativamente patológicas. Isto é, uma atitude não-patológica pode se tornar patológica quando deixa de ser vista como meio para ser vista como fim em si mesma, ou quando a parte passa a ser vista como o todo. Uma pessoa só fetichista, que nunca considera o fetiche como condução à cópula, seria uma pessoa doente do ponto de vista científico. É neste sentido que Antônio Queiroz exemplifica que fantasiar uma situação é sempre válido e sadio e é uma atividade normal, prazerosa e aceitável. Mas, achar que só vai transar se a mulher estiver com ’calcinha cor-de-rosa’, ou o que quer que seja, já é fetichismo patológico. O fetichista obsessivo não só sonha, mas necessita que todas as suas transas sejam com ’calcinhas cor-de-rosa’, impreterivelmente. Esse tipo de atitude, muitas vezes, pode provocar problemas que vão da insatisfação sexual permanente à ausência de ereção nos casos mais graves. O resultado disso é uma incrível sensação de frustração, que pode chegar à depressão. O fetichista sadio pensa diferente: “Se der para praticar da forma como sonhei, tudo bem. Se não, vai do jeito que for.” Enfim, o fetiche pode fazer a festa ou desgraça do fetichista – tudo depende de como é utilizado.

Segundo o Dr. Havelock Ellis, o fetiche só se torna patológico quando os meios se transformam em fins e de maneira repetitiva, configurando um padrão de conduta rígido, o qual na maioria das vezes acaba por se transformar numa compulsão opressiva que impede outras alternativas sexuais. Para ele, os comportamentos sexopáticos não se limitam a condutas parafílicas e, comumente, podemos encontrar uma sexualidade não-parafílica (‘normal’) vivida de forma bastante psicopática (‘normopatia’) – muito recorrente em pessoas da classe média. Psiquiatras norte-americanos afirmam que tanto a sodomia quanto a podolatria são indicativos de elementos narcisistas, escopofílicos, misófilos, sadomasoquistas e homossexuais na personalidade profunda e inconsciente de ‘sexopatas’.
É verdade que a algolagnia (sadomasoquismo), a sodomia, e outras práticas ditas bizarras, mesmo quando praticadas com um pé atrás, podem ser psicofisicamente prejudiciais tanto para passivos como para ativos – como é o caso, sem restrições, da atração sexual por animais (bestialismo) e crianças (pedofilia), uma vez que animais e crianças não desfrutam de raciocínio, livre-arbítrio e discernimento, tampouco de sexualidade aperiódica, características estas próprias do ser humano socializado. Entretanto, sentir-se atraído por pés, por exemplo, não desrespeita ninguém. Além de sadia, pode ser considerada um dos fetiches eróticos mais humanos e um dos fetiches humanos mais eróticos.
Ver também: Podolatria: prazer ou transtorno?

Fetiche
Nem toda parafilia é um fetiche, mas todo fetiche é uma parafilia. Segundo a teoria do deslocamento erógeno elaborada pelo pai da Psicanálise, os órgãos genitais, cuja visão é quase sempre excitante, dificilmente são julgados belos… Eis a sexualidade. O valor do belo parece ligar-se a certos caracteres sexuais secundários [Ver também: Anatomia do fetiche] (o fértil acessório): peitos (ubrefilia), nádegas, coxas, batatas, ombros, cabelos, pés, vestes, luvas, calçados, cheiros, circunstâncias… Eis a sensualidade. 
Deslocamento é um mecanismo de defesa pelo qual a carga psíquica é transferida de uma representação mental para outras representações, evitando-se assim o enfrentamento direto com a realidade psíquica.
No mundo erótico, pornofísico, ‘pornonírico’, pornográfico e pornocinematográfico abundam calcinhas, sutiãs, sungas, cuecas, bermudas, boinas, vibradores, bonecos infláveis, cadáveres (‘necromania’), fantasmas (‘espectrofilia’), estátuas, monumentos, árvores (‘dendrofilia’), sangue (‘vampirismo’), menstruação (‘menofilia’), pessoas defeituosas (‘acromotofilia’ ou ‘aberração’), esculturas ‘pigmalionismo’), etc. [É interessante notar que boa parte do fetichismo está relacionada aos uniformes (atletas, freiras, enfermeiras, estudantes, aeromoças, médicos, policiais, soldados, padres etc)]
A escatofilia (atração por excrementos, secreções e substâncias fétidas), a coprofilia (atração por fezes) e a urofilia (atração por xixi) são variações fetichistas da parafilia ‘misofilia’(ou ‘cacofilia’); embora rejeitadas pelos puritanos, é por muitos praticada (física e metafisicamente), muitas vezes camuflada sob um ‘eu-sodomita’ (praticante hetero ou homossexual do sexo anal: ‘protolagnia’). Para a Psicanálise ortodoxa, estas variações misófilas, com exceção da urofilia, provêm de uma fase anal (2 a 4 anos de idade) mal resolvida. Da mesma forma, o fetiche dos pés é muitas vezes recalcado inconscientemente sob um eu que se atrai e se identifica por/com esmaltes, botas, meias, entre outros acessórios marginais.

História da Podolatria
Apesar do preconceito de alguns países sul-americanos, a podolatria é, na história da humanidade, considerada um gosto sofisticado, complexo, que advém de uma sensibilidade refinada, cheia de requintes e nobrezas, tais como o gosto pelo vinho, pelo charuto, pelo jogo de bilhar, pôquer, jazz, xadrez… No país do football (ou ‘balípodo’, como quer um ‘certo’ deputado purista da língua), sempre que se fala em podolatria, há alguém que olha com cara de "Ih… Esse cara é um doido!”. A simples menção do desejo de chupar os dedos, lamber as solas, provoca normalmente o olhar incrédulo e surpreso dos interlocutores, incluindo os considerados mais ‘liberados’ sexualmente. É compreensível o estigma suscitado por tal palavra. Além do preconceito cultural, há o preconceito psicolinguístico plantado no inconsciente coletivo. Desde que surgiu nos primeiros catálogos de Psicanálise, os termos podofetichistas foram equivocadamente traduzidos ao português pela palavra ‘pedofilia’, que, na concepção atual de uso, refere-se ao ‘desejo sexual por crianças’. Convém não esquecer que ‘podolatria’ é um brasileirismo, pois em países europeus, a denominação clássica para esse tipo de fetiche é ‘restifismo’, palavra derivada do nome do novelista francês Nicolas-Edme Restif de la Bretonne (1734-1806), autor de ‘Le Pied de Fanchette’ (1769).
A paixão pelos pés não vem de hoje e – embora ocorra também entre as mulheres, como é o caso das poetas Leila Míccolis, Irene Gruss, e da escritora Paula Buratto Caovilla – é mais comum entre os homens. Eles são mais racionalistas, fragmentários… Tendem mais facilmente ao fetichismo, ou seja, a tomar a parte pelo todo – daí ser maior a venda de produtos pornográficos para homens. Podemos encontrar a idolatria dos pés nas obras de Dostoiévski, Wolfgang von Goethe, Henry Miller, James Joyce, Eça de Queiroz, Geoff Nicholson, Colin McDowell, Glenn Wilson, Andrew Neiderman, Francis Bacon, Castro Alves, Manuel Bandeira, Guimarães Rosa, Bernardo Guimarães, Nelson Rodrigues, José J. Veiga, José de Alencar, Machado de Assis.
Vale aqui citar um fato trágico, ou, no mínimo, curioso. Apesar da anacronicidade, o melodramático Castro Alves era um dos poetas preferidos de Manuel Bandeira, que por sua vez era o preferido do maior poeta brasileiro Drummond. Líricos por excelência, Alves e Bandeira sofreram de tuberculose. A de Castro teve como causa o depauperamento das forças decorrentes da amputação do pé devido a um tiro acidental por ocasião de uma caçada.
Nas religiões, o ritual de lavar os pés significa purificação e preparação; na Bíblia, podemos confirmar esta idéia da pureza – Deus fala com Moisés do meio da sarça ardente: “Não te chegues para cá; tira os teus sapatos de teus pés; porque o lugar em que tu estás é terra santa.” (Ex. 3:5)
Pergaminhos datados há dois mil anos carregam desenhos explícitos onde mulheres tem seus pés acariciados e reverenciados. Deduções folclóricas evidenciam que a cultura dos pés surgiu de forma institucionalizada na China e se desenvolveu no Japão. Os chineses medievais demonstravam interesse por mulheres de pés pequenos e delicados; daí o velho dito popular chinês: “Um pé pequeno pode compensar a fealdade de uma mulher”.
Segundo William A. Rossi, autor de ‘The Sex Life of the Foot and Shoe’, a evidência de nossa natural podossexualidade é abundante, acumulada por antropologistas, psicólogos, psiquiatras, historiadores de vestuários, e outros observadores qualificados. A influência da podossexualidade foi implantada em livros jurídicos e religiosos (dos hindus, hebreus, cristãos). Crê-se que tudo começou com a imperatriz Taki, que no séc. XI teria nascido com uma deformidade: seus pés eram muito pequenos. Para que a princesinha não fosse discriminada, seu pai, o imperador chinês, fez baixar um decreto-lei que estabelecia que para uma mulher da aristocracia ser considerada bela, nobre, meiga e atraente (e, consequentemente, casar-se) deveria ter pés diminutos. Aos três anos de idade a menina já tinha seus pezinhos enfaixados de forma que os dedos (exceto o dedão) ficavam virados bem para baixo na direção da sola; com isso o arco do pé acentuava-se já que o crescimento frontal ficava obstruído. Aos treze anos, quando atingiam a maturidade sexual e ficavam prontas para casar com seus prometidos, seus pés já estavam imensamente voluptuosos e tão pequenos que elas podiam calçar sapatilhas de dez centímetros. O resultado disso era uma desajeitada forma de andar. Acreditava-se, no entanto, que esse procedimento deixava, reflexologicamente, os músculos da vagina também mais apertados. Atrofiados e ‘imaculados’, os pés das chinesinhas tinham uma anatomia muito peculiar, ressaltando uma forma forçadamente curvada; tinha um propósito: servir como uma pseudovulva, na qual os maridos simulavam a copulação, provocando dessa forma a excitação peniana. W. Rossi também observa que não apenas chineses, mas também tibetanos, coreanos, romanos, russos, suíços, belgas e franceses assimilaram esse ritual às suas respectivas culturas.
No registro da história da Grécia antiga e velhas civilizações do Oriente próximo, encontram-se citações sobre o costume das mulheres em acariciar os genitais de seus amantes com os pés, a fim de excitá-los: a rainha Cleópatra, do Egito, a imperatriz Catarina, da Rússia e Anna Ivanovna, assim como a maioria das damas da nobreza, gostavam de excitar seus amantes pelo uso (e símbolo de dominação) de seus habilidosos e cheirosos pés de açafrão. A palavra ‘domina’ vem do latim e quer dizer ‘senhora’. Alguns antropólogos dizem que a idolatria dos pés está associada a representações sublimadas ou a ritos atávicos em sociedades matriarcais. Curiosamente, na fronteira entre Alemanha e França, nas disputadas regiões de Alsacia e Lorena (causa de pelo menos três grandes guerras), o costume era exatamente o contrário: os homens excitavam com os pés as vaginas de suas amadas. Em outras passagens, existem relatos sobre povos que acreditavam num elo direto entre os pés e a fertilidade. Segundo esses povos, as mulheres estéreis poderiam encontrar sua fertilidade se untassem o dedo maior em uma mistura de cantárida e azeite vegetal.
Verdade ou não, mito ou história, trata-se de um fato que permeia o inconsciente de todas as mulheres… É comprovável, por exemplo, o fato de que as adolescentes se preocupam com o tamanho de seus pés, da mesma forma que os homens com seus respectivos pênis. Aliás, o imaginário feminino associa de maneira subconsciente os pés masculinos com o pênis, inclusive, associam o asseio do sapato de um homem com sua higiene íntima. Muitas meninas, quando enjoam da boneca, tornam-se fetichistas de sapatos; colecionam centenas de pares e não se cansam de aumentar sua coleção. As moças procuram calçados sexualmente mais atraentes, uma vez que o instinto podossexual as direciona para tal.
Na China e no Japão, ainda é utilizada a técnica da amarração pelas famosas gueixas. Nesses países, até hoje, não é comum iniciar uma relação sexual por beijos de língua na língua nem pelo ritual ocidental do sexo oral: lá é de praxe começar-se o ato sexual pela estimulação erótica dos pés da parceira. No livro ‘Esposas e Concubinas’, de Su Tong, percebe-se o quanto a mulher se sente honrada por ter seus pés massageados, uma vez que ela foi a concubina escolhida para a noite de prazer de seu senhor (marido polígamo). No primeiro encontro com sua concubina número 4, o senhor lhe diz: “Os pés de uma mulher são muito importantes. Quando estão confortáveis, ela tem mais saúde, é mais capaz de servir ao seu marido.” Trata-se de uma tradição antiga das nobres famílias chinesas. Isso se deve à reflexologia podal, ciência de origem oriental que estuda nos pés a representação dos órgãos, glândulas e membros do corpo humano, inclusive os genitais – o que vale dizer que uma boa massagem em certos pontos estratégicos dos pés torna-se um afrodisíaco, melhorando a circulação sanguínea, que faz aumentar tanto o deleite quanto o apetite sexual. Pés e tendões saudáveis aumentam a estabilidade do corpo e se tornam poderosa ligação do indivíduo com a energia terapêutica da terra.

Beleza dos pés
Assim falou uma ‘top model’ [Ver também: ‘Foot top model’] brasileira: “A beleza da mulher começa pelos pés. Se a mulher está em paz com seus pés, está de bem com seu corpo inteiro, pois o bem estar começa por eles”. Há mulheres que realmente entendem do assunto e abusam dessa fraqueza masculina. A intenção feminina de colocar em evidência seus pés com o uso de sandálias, anéis, tornozeleiras, tatuagens e outros adornos que ‘enlouquecem’ muitos homens.
Tirar os calçados é o primeiro gesto de intimidade de qualquer pessoa. Baseado neste axioma, fetichistas costumam fantasiar (ou diagnosticar?) que quando uma mulher despe seus pés na presença de um homem, é bom ele ficar alerta, pois se ela começar a balançar os pezinhos [Ver também: ‘Dangling’] peladinhos em sua direção, é ‘hum’ sinal verde para jantar com ela. Ah… se os bares e restaurantes tivessem uma câmera para registrar tudo que ocorre sob as mesas… Há mais coisas entre a mesa e o chão do que supõe nossa vã ingenuidade… E vale considerar: nem todos os cabisbaixos que andam pelas ruas estão melancólicos; muito pelo contrário, estão muito eufóricos. O sexo masculino em geral não dispensa um andar sensual. A nudez de um pezinho cheio de graça, para eles, é uma grande provocação. Para os fiéis amantes dos pés femininos, é uma tristeza quando o verão vai embora: os pés femininos exalam eroticidade, de tal maneira que uma mulher descalça equivale a uma mulher pelada (mais do que nua, provocante). Dizem que as meias são como um “lingerie” [Ver também: Feet striptease], e que os pés são “acessórios fundamentais” de uma boa relação, de maneira que sexo sem pé torna-se um pé-no-saco”! Para alguns, quando os pés femininos estão descalços, não induzem sentimento prazeroso algum, preferindo portanto a seminudez dos mesmos. Há homens que realmente desdenham qualquer relação com os pés femininos, segundo os quais desestimulariam qualquer ereção. Fisiologistas iconoclastas defendem a hipótese de que os pés nada mais são do que partes anatômicas que sustentam um ser humano em pé, além de permitir sua locomoção natural, sendo que qualquer atenção exagerada em relação aos mesmos consistiria numa psicopatologia.
Ora, quem poderia negar eroticidade naquela cena do filme ‘Jackie Brown’ onde as solas da deusa Bridget Fonda oferecem-se a um longo close? A luraça espreguiça sem dó seus voluptuosos dedos sobre a invejada mesinha da sala?…

Os pés no divã e no imaginário coletivo
O pai da Psicanálise, ao constatar que os pés estavam presentes em grande parte dos sonhos eróticos, elaborou uma teoria bastante complexa. Para ele, o menino se torna um fetichista dos pés quando se depara pela primeira vez com uma mulher nua. É um momento de muito espanto para ele, quando percebe que falta algo na constituição física da mulher. A comparação do corpo feminino com o seu é mais do que assustadora: “como alguém poderia fazer isso com a pobre donzela?” – pensa o menino. O susto provocado pela falta de um pênis no corpo feminino e o consequente medo da castração faz com que a criança tente imediatamente encontrar um substituto fálico para a mulher. Nesse momento, o menino, inconscientemente procura por algo que pode ser sexualmente substituído pelo pênis ausente. Os pés e os seios são as únicas partes do corpo feminino que se estendem de forma acentuada para frente. Ou seja, se o garoto erguer os olhos (admirado!) em direção do rosto da mulher, tornar-se-á um fiel adorador de seios; se o garoto descer os olhos (decepcionado!) em direção ao chão, tornar-se-á um fiel amante dos pezinhos femininos… Como o próprio Freud observou, o caso só se torna patológico quando o anseio pelo fetiche se fixa e se coloca no lugar do alvo sexual normal – entende-se por ‘normal’ o instinto natural que garante a própria reprodução da espécie humana. Há quem diga que Villa-Lobos e o próprio Freud eram grandes ‘footsuckers’, uma vez sua forte atração por charutos (símbolo fálico).
Freud não fez fraude, mas alguns fatos limitam a abrangência de sua teoria. Uma terapeuta conta um fato ocorrido com uma de suas ‘pacientes’, que estava aterrorizada com a potência de prazer que sentira durante uma relação. Contou à psicóloga que, durante um relacionamento com um homem, sentiu um prazer imenso ao olhar e cheirar os pés dele. Isso demonstra que o enigma do futefetichismo não é uma questão essencialmente psicanalítica, mas também estética, instintiva, biológica. Atualmente, há três teorias plausíveis em relação ao “enigma do pé”. 1) A neurológica, segundo a qual, a relação mental estabelecida entre pés e sexo é muito natural, pois em nosso cérebro a área responsável pela genitália está intimamente ligada a área dos pés; são áreas adjacentes e quanto menor a distância entre os neurônios, maior o grau de podossexualidade. 2) A psicossociológica, que relaciona o podofetichismo ao desejo de segurança. Analistas costumam afirmar que esta obsessão é mais forte (libidinosa) naquelas personalidades tímidas, utópicas, artistas e espiritualistas. Tais pessoas, segundo a Psicologia ortodoxa, recalcam inconscientemente seu lascivo desejo por concretude, fundamento, suporte, infraestrutura, ‘pé no chão’ – o ‘estar solidadamente e satisfatoriamente aqui’. 3) A psicogenética, que comprovou que uma das atividades comuns do feto é chupar seu próprio dedão do pé. Estudos evidenciam as profundas marcas deixadas na mente por experiências pré-natais fracassadas, cujas repercussões psicológicas se manifestam na vida pós-natal.
Um antropólogo humanista inglês afirma que todos nós somos fetichistas em graus diferentes. Mesmo uma criança pode possuir fetiches: chupeta, peito da mãe, chocalho, fralda… Uma menina das mais bem educadas e puritanas pode guardar em sua personalidade caracteres fetichistas, seja qual for o fetiche: chocolate, roupa, sanduíche, perfume, chiclete, canudo, unha, pele, bijuteria… O problema é que ocorre um bloqueio da liberação de nossos desejos, proveniente da nossa cultura. Não podemos expressar o que realmente sentimos; ou seja, devemos enquadrar os nossos instintos dentro do que é prescrito e padronizado pela nossa sociedade. Nós não somos o que queremos ser, e sim, o que os outros querem que sejamos. Infelizmente é assim. Os nossos desejos e fantasias mais íntimos, quando reprimidos, podem nos trazer distúrbios psíquicos, como depressão, angústia e um consequente fracasso sexual, ou insatisfação, além de doenças psicossomáticas.
Dados estatísticos comprovam: 46% das mulheres entre  20 e 30 anos já vivenciaram alguma experiência com  algum podólatra; 73% já tiveram seus pés elogiados;  82% gostariam que seu parceiro realizasse fantasias eróticas envolvendo seus pés; 62% utilizam seus pés  quando pretendem seduzir um homem; 60% sentem prazer  quando têm seus pés beijados, acariciados, cheirados  ou massageados.
Segundo Havelock Ellis, em ‘Erotic Simbolism’ (1906),  “Acariciar os pés de uma outra pessoa, sobretudo se são bem-feitos, pode se tornar uma paixão para certas crianças; e muitos adultos admitem conservar um  resquício do mesmo impulso. O interesse de algumas mães pelos dedos dos pés de seus filhos, e que elas  exprimem com uma violência apaixonada, é muito  frequente; aí está um fator de ordem sexual de grande  importância.” O jornalista e contista mineiro Ivan Angelo também aborda o mesmo assunto em um de seus  artigos à revista Playboy: “Criança, se diz, tem  atração por pés. Ela beija o próprio pé, chupa o dedão, em contorcionismo prazenteiro. Pais e mães esfregam seus pezinhos no rosto, no nariz, riem, fazem festas. É tudo agradável, alegre, inocente. Há  mulheres que conservam pela vida afora essas sensações de delícia quando alguém manipula seus pés e revivem  aquele prazer da infância, entregando-se, dóceis, à antiga carícia.” O humorista Maurício de Sousa – no  almanaque de reedição das melhores histórias da Mônica  nº69 (hehehe!) – leva às últimas consequências o  podofanatismo, em ‘Pedro, o Podólatra’. Em oito páginas de puro humor, o autor conseguiu atrair a  atenção de crianças, jovens, adultos, podólatras, não-podólatras, fanáticos e românticos.  Um médico observou que quando se beija ou massageia os pés das mulheres, elas se tornam mais íntimas e  consequentemente deixam fluir seus prazeres com mais intensidade. Elas sentem-se mais ‘idolatradas’,  investindo naquela relação. A atitude de venerar os pés traz uma ideia de respeito, admiração e humildade.
Reza uma lenda da Coreia do Sul que de cada cem homens, sessenta e seis sentem-se atraídos por pés femininos. Dos sessenta e seis, seis são confessos e extrovertidos, e os sessenta introvertidos até zombam da ‘parafilia’ dos seis ‘anormais’ e ‘amorais’. É claro que existe aí uma simbologia relacionada ao número 6, que, segundo a tradição cabalística, é a representação da paixão e da curiosidade psicomágica.
Alguns tarólogos não hesitam em afirmar que pés e mãos estão intimamente relacionados à atração sexual, não só proveniente da beleza escultural dessas partes, mas pelo número 10 (dedos) nelas impregnadas (1=pênis, 0=útero).
Na imortal obra ‘A Vênus das Peles’, Leopold von Sacher-Masoch escreve: “O homem e a mulher são inimigos naturais. O amor pode chegar a uni-los, por um breve tempo, para formar uma só coração, uma só mente, uma semente, uma só vontade. Mas, logo em seguida, o anel se rompe porque um deles impõe sua vontade ao outro. A verdade é que um deveria prostrar-se aos pés do outro. Naturalmente deve ser o varão quem caia debaixo dos pés de sua senhora.”  É curioso que muitos podomaníacos, embora possam trabalhar em outros setores, preferem ficar anos e até  décadas como pedicuros ou atendentes em lojas de calçados e moda feminina... Psicanalistas africanos  afirmam que alguns fetichistas podem até mesmo escolher inconscientemente cursos relacionados à sua  fixação – medicina, fisiologia, fisioterapia, educação física – e exercerem profissões compatíveis, tais como  as funções de ortopedista, podologista, professor de natação, salva-vidas, médico geral, entre outras.

A sexualidade humana guarda mistérios indecifráveis.O objetivo deste texto jamais poderia ser de decifração, pois desta forma estaria contribuindo para o fim da sedução. Sua finalidade é de conscientização das diferenças. Dedicado a Édipo e Aquiles, é uma compilação de diversas e raras fontes sobre o tema. Trata-se de uma obra em colaboração (produzida por diversos pesquisadores que compartilham de uma sexualidade mais globalizada e conscientizada). 

Ver também
Livros | Reportagens | Podolatria: Prazer ou transtorno? | Podolatria na infância | Você tem religião? - Sou podólatra! | Anel de Moebius | Dominação feminina



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Um comentário:

Renan disse...

paraboéns pelo texto!! muito bom!